segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Da Cimeira Europeia e do Estado

Sou um descrente em muitas coisas deste nosso mundo. Não acredito, por exemplo, em soluções miraculosas saídas da cartola de um qualquer tecnocrata. E hoje eles vão cada vez mais substituindo os políticos eleitos pelo povo, perante a apatia das opiniões públicas, paralisadas por uma crise sem fim à vista.

A última cimeira europeia foi o corolário desta lógica: regras draconianas impostas aos parlamentos, destituídos de voto na matéria em tudo o que respeite às políticas orçamental e fiscal. Regras que serão aplicadas aos infractores por um exército de eurocratas ao serviço do Tribunal de Justiça da União Europeia. Sim, vai ser preciso um exército de funcionários para esgravatar as contas dos 23 ou 26 estados subscritores do pacto orçamental.

Agarro-me ao não de Cameron. Não por causa da famigerada City, mas por acreditar no velho princípio de que a soberania reside na nação. E de que no estado moderno não pode haver cobrança de impostos sem representação democrática. Sem que as medidas passem pelo crivo dos parlamentos. Não seria de esperar outro gesto de um primeiro-ministro oriundo do reino da Magna Carta. Acho.


PS. A cobrança de impostos sem mais pouco difere daqueles bandidos retratados nos Sete Samurais de Kurosawa, que impunham o tributo aos aldeões. Se estes não acatavam a ordem, a aldeia era pilhada. Se os bandidos passassem a viver na aldeia, é claro que institucionalizariam a taxação da riqueza dos seus habitantes, na qualidade de governantes/protectores. A origem do Estado? Claro, a força sem mais.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Cracóvia



O nosso carro, uma relíquia do socialismo real . E lá fomos nós rumo a Nowa Huta. Rumo à cidade que queria ser a materialização do futuro radioso. Hoje é só passado, mera atracção turística.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Do Amor

Ninguém se mata pelo amor de uma mulher. Matamo-nos porque um amor, não importa qual, nos revela a nós mesmos na nossa nudez, na nossa miséria, no nosso estado inerme, no nosso nada.

In real love you want the other person's good. In romantic love, you want the other person.



Cesare Pavese

Nostalgia


Elizabeth Gadd

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Tristes Tempos

Entretanto... mais austeridade. E outra vez o passado, a incúria dos antecessores, velho alibi de todos os primeiros-ministros, quando se trata de impor medidas não inscritas nos programas eleitorais sufragados pelos eleitores. Sob este prisma, nada de novo. Tudo num quadro de uma comunicação social abúlica e serventuária.

A realidade das contas públicas é uma torrente que escapa ao génio dos nossos ministros, uns vindos do mundo virtual das jotas, outros da academia. Mas a dívida pública é uma realidade de somenos ao pé da dívida privada, com destaque para a dos bancos, essas instituições que pairam acima das demais neste mundo às avessas.


Neste nosso mundo, os estados socorreram a banca e desembocaram na crise das dívidas soberanas. O dinheiro dos contribuintes pode e deve ir, rapidamente e em força, para as instituições financeiras, enquanto a austeridade é ministrada em pesadas doses aos povos. É a banalidade do mal, parafraseando Arendt.

Retratos sombrios

No Guardian, excertos de um trabalho antropológico sobre o mundo da City.
Nele são entrevistados vários quadros do sistema financeiro. Retratos sombrios. De desesperança:

Just this week a colleague of mine was called into the meeting room and … fired. Just like that. He wasn't even given time to pick up his stuff, that was all done for him. He hadn't met his targets. Later we were called into the meeting room and I was told 'Look, you don't need to worry, you're doing fine.' That's the City for you, people are used and discarded like objects.

"I never thought I'd become the person I am now. Back in my country I used to work in a job where I'd help people, actually improve their lives. These days I am cheating, lying, manipulating – all in the name of targets. The crazy thing is, I am good at this. I get bonuses.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

A crença no especialista

Aqui há quem fustigue (nunca é demais, verdade se diga) a crença no poder do especialista.
Quando falham os políticos, logo surgem as vozes clamando pelos painéis de especialistas.
Fernando Pessoa não era presa de tais ilusões. Pela voz de Álvaro de Campos, lembrava-nos que "um especialista é um homem que sabe qualquer coisa de uma coisa e nada de todas as coisas."
Mas, lamentavelmente, estamos cada vez mais nas mãos destes especialistas. Apesar das atrocidades cometidas durante o século passado, em nome do progresso técnico personificado pelo poder do especialista, continuamos a persistir na crença. De pouco vale a História.

Eis um excerto do Krugman:

It’s not just the complete failure to foresee this crisis. Fancy international organizations have been persistently offering disastrous advice, counseling austerity and interest rate hikes just as the recovery, such as it is, stumbles. Politicians say dumb things about monetary policy — but so does the ECB.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Não somos a Grécia

Vamos de austeridade em austeridade até à vitória final, assim nos querem fazer crer o governo e demais analistas. A entrevista de Pedro Passos Coelho recolheu os louros do costume na comunicação social do país que inventou essa curiosa expressão do estado de graça.
Tudo estaria bem, não fosse a impenitente Grécia, esse país outrora pátria democracia, que teima em não aplicar o (benigno) programa das privatizações imposto por estrangeiros. Enfim, a Grécia tem costas largas, já o sabíamos, e quanto maiores as semelhanças, maior a necessidade de nos distinguirmos: eu sou pobre, mas não como tu. Assim, uma legião de distintas personalidades desfila pelos telejornais assegurando-nos de que não somos a Grécia.
A Madeira veio perturbar aquela melopeia, como a querer despertar-nos para uma outra realidade. Mas não: logo a mesma gente nos veio assegurar que não, não somos a Grécia.
O governo assegurou-nos, hoje, de que não tenciona extinguir câmaras municipais, contrariando o que está no memorando. Ainda assim, as mesmas vozes dizem-nos que só a Grécia não cumpre memorandos.
A nossa dívida privada é maior do que a dos gregos. Mas também isso deve ser culpa da Grécia. Já estamos a ver.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Os motins de Inglaterra por Zygmunt Bauman

O sociólogo Zygmunt Bauman olha os motins à luz da sociedade de consumo, da perene divisão entre ter e não ter, clivagem que separa os homens em dois campos irredutíveis: os que têm e os que não têm.
A sociedade de consumo não eliminou a privação, apenas tornou esta mais rica e variada.
Eis alguns excertos do artigo de Zygmunt:

All varieties of social inequality derive from the division between the haves and the have-nots, as Miguel Cervantes de Saavedra noted already half a millennium ago. But in different times having or not having of different objects is, respectively, the states most passionately desired and most passionately resented. Two centuries ago in Europe, a few decades ago still in many some distant from Europe places, and to this day in some battlegrounds of tribal wars or playgrounds of dictatorships, the prime object setting the have-nots and the haves in conflict was bread or rice. Thank God, science, technology and certain reasonable political expedients this is no longer the case. Which does not mean though that the old division is dead and buried. Quite on the contrary… The objects of desire, whose absence is most violently resented, are nowadays many and varied – and their numbers, as well as the temptation to have them, grow by the day. And so grows the wrath, humiliation, spite and grudge aroused by not having them – as well as the urge to destroy what have you can’t. Looting shops and setting them on fire derive from the same impulsion and gratify the same longing.

We are all consumers now, consumers first and foremost, consumers by right and by duty. The day after the 11/9 outrage George W. Bush, when calling Americans to get over the trauma and go back to normal, found no better words than “go back shopping”. It is the level of our shopping activity and the ease with which we dispose of one object of consumption in order to replace it with a “new and improved” one which serves us as the prime measure of our social standing and the score in the life-success competition. To all problems we encounter on the road away from trouble and towards satisfaction we seek solutions in shops.
[...]
For defective consumers, those contemporary have-nots, non-shopping is the jarring and festering stigma of a life un-fulfilled – and of own nonentity and good-for-nothingness. Not just the absence of pleasure: absence of human dignity. Of life meaning. Ultimately, of humanity and any other ground for self-respect and respect of the others around.
Zygmun Bauman

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Motins na Velha Albion

Um artigo sobre a cultura inglesa, sobre como esta foi moldada por acordos e  entendimentos informais vários, anteriores a qualquer lei escrita. Consensos sobre um conjunto de regras cívicas aceites pelo comum dos cidadãos.
Enfim, um conjunto de regras de bom-senso, indissociáveis do que é ser inglês. Tudo isso começa a ser questionado à luz dos motins que assolam a Velha Albion.
Os discursos sobre tais manifestações de barbárie não escapam à vulgata: a esquerda fala no desemprego e nas desigualdades causadoras de ressentimento; a direita acena com o (amoral) Estado social e a desresponsabilização ou dissolução da família.
Talvez fosse útil distanciarmo-nos do tempo breve do acontecimento. Se a Inglaterra é civismo e bom-senso, não é menos lugar de subculturas juvenis que não raro abraçam a embriaguez da violência. Não é difícil encontrarmos exemplos disso no passado recente. Talvez estes protestos ultrapassem, pela sua magnitude e brutalidade, outras manifestações de barbárie. O que mais assusta, é não vermos neles sombra de reivindicação social ou política. Apenas a incomunicabilidade da destruição.
Encontramos as raízes desta violência noutras sociedades também. Vivemos submetidos ao  consumo desenfreado, em que o princípio do desejo é juiz supremo. E o desejo sem mais nada é uma poderosa força de destruição.

terça-feira, 26 de julho de 2011

Animal Collective no CCB


Foi o terceiro concerto dos Animal Collective, não contando com a aparição no Festival Número. Do ambiente industrial do Ginjal, nos dez anos da Zé dos Bois, ao conforto do Grande Auditório do CCB, a mesma inventividade e exploração sónica.
Desta vez, houve o complemento visual, mas nada que esta música impregnada de caos já não contivesse, de tão imagética que é.
A música fluiu como uma torrente ao longo de perto de uma hora e meia e, nela, vinham algumas das canções de álbuns idos, reconhecíveis mas viradas do avesso. São assim os concertos dos Animal Collective.
Saímos, uma vez mais, tonificados por esta música, mas guardamos fundo na memória o concerto do Ginjal.

terça-feira, 19 de julho de 2011

Vasily Grossman, Vida e Destino

Vasily Grossman foi um célebre cronista da Grande Guerra Patriótica (assim chamam os russos à II Guerra Mundial) no jornal Estrela Vermelha, órgão oficial do Exército Vermelho.
As suas crónicas eram muito populares entre os soldados e oficiais, porque fiéis à dura realidade da guerra e despidas da retórica propagandística dos então omnipresentes comissários políticos.
Essa experiência do teatro de guerra forjou o romance Vida e Destino, um épico que toma como cenário a Batalha de Estalinegrado. Vida e Destino é um fresco dessa época trágica. É uma anatomia da sociedade estalinista, exposta em toda a sua crueldade e absurdo.
Vasily Grossman foi vítima de opróbrio quando o seu livro viu, ainda que fugazmente, a luz do dia, nesses idos anos sessenta: mesmo em pleno degelo Krutcheviano, as estórias de Grossman eram insuportáveis para o regime. O manuscrito e as notas de Vida e Destino foram apreendidos pelo KGB. E o mesmo destino tiveram as fitas e o químico da máquina de escrever do escritor. Prova de que um romance pode fazer tremer um regime todo-poderoso. Prova da força do pensamento, capaz de escapar às lógicas concentracionárias.
Vida e Destino sobreviveu: chegou ao Ocidente oculto num micro-filme. País da publicação do romance, a Suíça, em 1980.

É difícil, Vitia, compreender realmente os homens... os alemães entraram na cidade no dia 7 de Julho. No parque da cidade, a rádio transmitia as últimas informações; eu vinha da policlínica depois das consultas e parei para escutar, a locutora lia em ucraniano um artigo sobre os últimos combates. Ouvi detonações afastadas, depois alguns homens atravessaram o parque a correr, retomei o caminho de casa perguntando-me como é que não ouvira as sirenes de alerta aéreo. De repente, vi um tanque e uma voz gritou: «os alemães passaram».

[...]

Adormeci de manhãzinha e, quando acordei, senti uma horrível tristeza. Estava no meu quarto, na minha cama, e contudo sentia-me em terra estranha, esquecida, solitária.

Nessa mesma manhã lembraram-me o que tivera tempo de esquecer durante os anos do poder soviético: era judia. Os alemães passavam em camiões e gritavam: «Judeen Kaputt!».

E depois também os vizinhos me lembraram. A mulher do guarda, que estava debaixo da minha janela, dizia a uma vizinha: «Graças a Deus, vamos ver-nos livre destes judeus todos.» Donde virá isto tudo? O filho dela é casado com uma judia e a velha estava em casa do filho; depois falava-me dos netos.

A minha vizinha do prédio, que é viúva, tem uma filha com 6 anos, Alionuchka, uns esplêndidos olhos azuis, já te falei nela numa das cartas, e essa vizinha entrou no meu quarto e disse-me:« Anna Semionovna, peço-lhe que retire as suas coisas do quarto antes do anoitecer, porque eu vou instalar-me lá.»

- Muito bem, nesse caso, eu instalo-me no seu – respondi-lhe eu.

- Não, não, você vai é para a despensa.

[...]

Muitas pessoas espantaram-me. E não foram só criaturas incultas, azedas e limitadas. Por exemplo, um professor reformado, de 75 anos de idade, pergunta-me sempre por ti, e dizia-me de ti: «É o nosso orgulho». Naqueles dias malditos afastou-se de mim na rua e não me cumprimentou. Depois contaram-me que tinha declarado numa reunião do kommandantur:«o ar está mais pura, já não cheira a alho».

In Vida e Destino.


quinta-feira, 7 de julho de 2011

A Moody's do nosso descontentamento

As agências de rating são o admirável mundo de Reagan, Thatcher e cia levado ao paroxismo. Mas a Moody's do nosso descontentamento limitou-se a levar a lógica do governo recém-empossado até às últimas consequências.
Ora vejamos: não foi o governo de Passos Coelho que anunciou um imposto extraordinário para tapar um buraco, diríamos também, extraordinário? Não disse o nosso eminente ministro das finanças (mais uma mente brilhante saída da economia, essa ciência de pés-de-barro tão incensada no mundo de hoje) que a extensão do buraco nas contas públicas o havia surpreendido? Não admira, pois, a reacção (que de certo não é inocente) da Moody's.
Nem pode a aludida agência pode ser acusada de ignorância acerca da realidade política e cultural prevalecente neste país outrora de vocação marítima. Ao manifestar o seu cepticismo sobre a capacidade de o governo cumprir as metas do memorando, no que à saúde, empresas públicas e autarquias se refere, limitou-se a pôr o dedo na ferida: como poderá o PSD, partido clientelar do regime e de maior expressão nas autarquias, levar por diante a supressão de municípios e freguesias? Ou a extinção de 15% dos cargos dirigentes no universo da administração pública? Perante tal histórico, duvidar é um acto da mais elementar racionalidade.
Junte-se, a tudo isto que é nosso, a reestruturação encapotada actualmente em curso na Grécia, sob a capa de um segundo resgate feito austeridade sobre as vidas dos gregos, alvo de uma espécie de punição colectiva. Depois, os juros a que estamos sujeitos num cenário de crescimento anémico ou negativo. Perfila-se assim como provável um horizonte próximo algures entre o segundo resgate e uma reestruturação da dívida. A não ser que a Europa...

terça-feira, 21 de junho de 2011

Basta um dia

Pra mim
Basta um dia
Não mais que um dia
Um meio dia
Me dá
Só um dia
E eu faço desatar
A minha fantasia
Só um
Belo dia
Pois se jura, se esconjura
Se ama e se tortura
Se tritura, se atura e se cura
A dor
Na orgia
Da luz do dia
É só
O que eu pedia
Um dia pra aplacar
Minha agonia
Toda a sangria
Todo o veneno
De um pequeno dia

Só um
Santo dia
Pois se beija, se maltrata
Se como e se mata
Se arremata, se acata e se trata
A dor
Na orgia
Da luz do dia
É só
O que eu pedia, viu
Um dia pra aplacar
Minha agonia
Toda a sangria
Todo o veneno
De um pequeno dia

Chico Buarque

Pedro Hestnes



















Morreu Pedro Hestnes. Tinha 49 anos.
Recordamos Agosto. Para nós, haverá sempre Agosto.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Impressões das Legislativas


Olhando para as legislativas de 7 de Junho e, em pano de fundo, para os resultados eleitorais da última (quase) década, sobressai a inequívoca vitória do Partido Social Democrata, com a obtenção do maior número de votos e de mandatos na composição da futura assembleia. Contudo, não foi a esmagadora vitória cantada pela generalidade dos comentadores: o PSD não só não obteve a maioria absoluta, como ficou abaixo da votação das legislativas de 2002, de que então emergiu também vencedor. Argumentar-se-á que o número de deputados será certamente superior ao de 2002, visto que ainda não foram apurados os resultados dos círculos da Europa e de Fora da Europa, cuja contagem atribui, regra geral, entre dois a três mandatos ao PSD. Ficará com mais dois ou três deputados, mas é duvidoso que consiga preencher o fosso de votos: 55.313 votos de diferença separam o PSD de Barroso do PSD de Passos Coelho.


O CDS/PP emerge também vencedor das legislativas últimas. Cresce em número de votos e de mandatos (tem tantos quantos a CDU e o BE juntos, proeza assaz assinalável). O crescimento deste partido tem sido sustentado ao longo dos últimos actos eleitorais, sinal das (reconhecidas) qualidades de liderança de Paulo Portas e de um bom punhado de bons quadros políticos, passe a redundância.
É certo que o resultado foi obscurecido pelas expectativas de um resultado ainda maior, que algumas sondagens lhe prognosticavam e que o seu líder ampliou, ao fixar metas talvez além da realidade política nacional, cativa dos dois partidos clientelares do regime, PS e PSD. Em todo o caso, um bom resultado: o CDS não só resiste ao voto útil, como consegue crescer num contexto de crescimento eleitoral do PSD.


O PS sofre uma pesada derrota, sendo necessário recuar mais de duas décadas (mais precisamente a 1987) para encontrar um resultado ainda pior. Nem o (ilusório) empate técnico propagado incessantemente por tantas e tão estranhas sondagens evitou a débacle eleitoral. Demitiu-se Sócrates e um conjunto de personagens que, se espera, vão rapidamente e em força para o caixote de lixo da História.

A CDU, como já era esperado, resiste à sua maneira. Perde votos em relação às legislativas de 2009 (mais de 5 mil), mas ganha mais um deputado, eleito por Faro, o que é um proeza histórica, diga-se de passagem. Ao contrário de alguns comentadores que não se cansam de explanar a sua falta de rigor pelos ecrãs televisivos, a CDU não fica dever este mandato ao aumento do número deputados a eleger pelo círculo de Faro (mais um do que em 2009). Foi a cabeça de lista do Bloco de Esquerda, Cecília Honório, a última deputada a ter sido eleita por este círculo, quem beneficiou do aumento de lugares elegíveis.

E quanto ao BE, a derrota foi pesada: perde mais de duzentos mil votos e metade dos deputados eleitos em 2009. É um resultado difícil de digerir para os seus dirigentes e militantes, mas é a expressão do equívoco em que caíram: ignoraram a diversidade de interesses e causas dos eleitores que têm votado no BE, imaginado ter um núcleo eleitoral estável e homogéneo, talvez à imagem e semelhança do PCP. Logro que lhes custou caro.
Estranha-se ver dirigentes, que por mais de uma vez deram provas de argúcia política, enredados numa lógica de mimetização do PC, ignorando, desprezando, a sociologia dos eleitores. Dos eleitores que permitiram ao Bloco crescer e soltar-se das baias dos partidos e formações políticas que estiveram na sua origem. O caminho parece ser agora o inverso, com o Bloco a encerrar-se sobre si mesmo, e a ser meramente um palco de repartição de poder entre os dirigentes daquelas formações que lhe deram corpo. A ser assim reforça-se a clivagem entre dirigentes e militantes, por um lado, e os eleitores por outro. E o desenlace será a crónica de um definhamento anunciado: até não haver outro caminho, para os seus dirigentes e militantes, a não ser ir bater à porta do PCP. Só que nessa altura é muito duvidoso que essa porta se abra.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

A crise e a esquerda da esquerda

Nada de novo na História. Em tempo de crise, é a direita quem colhe os frutos. A esquerda que advoga a mudança de paradigma vê o seu parco pecúlio de votos minguar.

Portugal não é excepção à regra, na vaga conservadora que assola a Europa. A esquerda não esteve no governo, não abraçou os dogmas que nos precipitaram para esta crise, mas acaba por ser a primeira vítima destes tempos de chumbo. Em que o medo se apossa dos espíritos.

O PC e o BE, já que falamos de esquerda, bem se esforçaram por impor na agenda política as coisas do memorando. Mas, fora a questão da Taxa Social Única, esse (meritório) esforço acabou submergido pelo circo mediático montado pelos estados-maiores dos dois partidos clientelares do sistema político, o PS e o PSD, muito ajudados pelo jornalismo (medíocre) de fretes e a lógica do espctáculo que impregna os media.

Seria importante que estes partidos da esquerda tivessem uma boa votação nas legislativas de 5 Junho próximo. Mas não é de crer que tal venha a suceder. Não é aqui o tempo de dissecar o BE nem o PC, mas não deixo, num registo mais ou menos feito de impressões, de fazer ressaltar duas ou três coisas sobre estas duas formações: o PC (melhor dizendo, a sua direcção) não está muito interessado em crescer eleitoralmente. Sente-se confortável com o seu fiel eleitorado que lhe garante a sempiterna votação na casa dos 7 ou dos 8%, mais um bom punhado de autarquias nas suas áreas de influência tradicional. Os seus dirigentes parecem ter como máxima a preservação do equilíbrio interno da organização. Ou a perpetuação de um intrincado esquema de sanções e recompensas (mais simbólicas do que materiais) que decorrem do exercício do poder num partido com uma longa história e sólidos rituais. O crescimento eleitoral poderia gerar tensões e pôr em causa esse equilíbrio. Já o BE parece não ter sabido gerir o sucesso eleitoral das legislativas. Nos últimos tempos, tem emergido uma força titubeante, desorientada. Por um momento, pareceu cair no logro de querer mimetizar o PC. O tiro foi corrigido nas duas semanas de campanha, mas pode não chegar para um bom resultado.

E, no entanto, estes partidos têm razão. Têm razão quando nos dizem não ser possível pagar a dívida nas condições impostas pelo triunvirato do FMI, BCE e Comissão Europeia. Têm razão quando apontam o efeito do custo da energia na (baixa) produtividade do trabalho. Têm razão na tributação das mais-valias geradas na especulação urbanista (bem, esta é uma questão mais cara ao Bloco). Entre outras coisas mais.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Os dois partidos...


Em votos desde 85, ou seja, nas últimas duas décadas e meia.
De 2002 para cá, desenha-se uma atenuação da hegemonia. Será talvez precipitado ver nisso uma tendência ou, dito de outro modo, o declínio do bloco central, pois os atavismos imperam nesta nossa sociedade.

Da campanha eleitoral


A campanha prossegue por entre arruadas e feiras. Atrás, as televisões com as sondagens em riste, bálsamo para uns, assombração para outros.
Retrato de uma realidade paralela à crise que tolhe a vida dos muitos. A crise retira-lhes a esperança e a cidadania. Sobra a aceitação em nome de uma réstia vida.
Nada disso incomoda os dois grandes partidos clientelares do regime, cujos candidatos munidos de um batalhão de assessores (expressão do cretinismo que tomou conta da política à portuguesa) se entretêm a lançar farpas um ao outro. São farpas de um teatro de marionetas. De um espectáculo de gosto duvidoso, mas que continua a render votos aos de sempre.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Nowa Huta



















Foi em 2009.

Ir ao fundo

Afundai-vos um pouco! Experimentai ir ao fundo! A arte de ir ao fundo é praticada com sucesso variável por uns e por outros.
[...]
Mas há também um número surpreendente de pessoas prontas a aceitar tudo com o simples propósito de poderem continuar a viver.

Stig Dagerman, in Outono Alemão

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Go Get Some Rosemary



Vão-me Buscar Alecrim transporta-nos para a paisagem nova-iorquina dos anos oitenta.

O registo é indie mas não prisioneiro de um género ou estética. Pelo contrário, a câmara é livre. Nervosa e livre.

A história gira em torno de um pai e dos seus dois filhos. O pai, diríamos, vai de asneira em asneira até à vitória final. Negligente em muitas coisas, mas não no plano dos afectos.

O caos é indissociável de Lenny, o pai, algo que os realizadores, os irmãos Josh e Benny Safdie, souberam transmitir visceralmente. Através do ritmo da câmara.

O filme vai beber à infância dos realizadores, que o dedicam ao pai. A um pai certamente não muito diferente deste que percorre a tela.

Vão-me buscar alecrim é a um tempo inteligente e emotivo. E troca as voltas ao politicamente correcto. Deliciosamente.


PS. Um dos miúdos que contracenam no filme é filho do músico dos Sonic Youth, Lee Ranaldo.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Dominique Strauss-Kahn


Na velha e civilizada Europa, o caso Dominique Strauss-Kahn muito provavelmente teria morrido à nascença. Por entre refinadas teias jurídicas e o manto do preconceito social enraizado, quem de entre nós, europeus, daria crédito à queixa de uma modesta empregada de hotel, ainda para mais imigrante africana?

Mas não é assim nos Estados Unidos, país de génese democrática. Na América, até Marx o reconhecia, as relações nobiliárquicas não moldavam a paisagem social. E a democracia já era a forma de autogoverno de muitas das comunidades fixadas na Nova Inglaterra; mesmo antes da Revolução de 1776.

Talvez esse ethos democrático seja indissociável do comportamento (expedito) da justiça americana, não hesitando em agir mesmo perante figuras poderosas. Mesmo quando a queixosa é gente de humilde condição. É a justiça de um país em que os procuradores são eleitos e respondem perante o povo. Mas não é uma justiça popular, no sentido pejorativo que lhe costumamos dar.

Se a Revolução Francesa aboliu o privilégio de nascimento, já o mesmo não parece ter sucedido com a impunidade decorrente da condição social, que ainda parece fazer lei no Hexágono. Assim é quando estão em causa crimes sexuais, desvalorizados pela boa sociedade como pecadilhos sem importância. Um contraste com o puritanismo do outro lado do atlântico, que também ajuda a fazer luz sobre este caso.

Choque de culturas, do ethos democrático americano contra as reminiscências nobiliárquicas? Da Europa civilizada contra a bárbara América, que não hesita em algemar uma nobre figura da elite política francesa? Talvez algum exagero.

Quanto ao caso Dominique Strauss-Kahn, o melhor é esperar pelos próximos capítulos.

terça-feira, 10 de maio de 2011

O Memorando: troikas e elites

O país parece ter recebido com indiferença (ou talvez resignação) o Memorando da Troika.
O Memorando fixa medidas e prazos ao futuro governo saído de eleições, certamente democráticas mas também pífias.
Pelo meio, as elites clamam que “agora é que é!”, chegou pois o abençoado tempo das reformas. Na urgência do tempo presente, em que o dinheiro é preciso para pagar salários e pensões, alguns arautos do fetiche reforma dizem-nos que se não for desta, então adeus Pátria.
Vão-se os anéis do Estado, vulgo privatizações para alimentar a avidez do capitalismo de compadrio, suprimem-se municípios, talvez comarcas judiciais, e sabe-se lá mais o quê. Talvez a (ingénua) crença nos de fora que nos vão pôr nos eixos. A História, essa, é implacável e encarregar-se-á de desiludir os crédulos. E por falar em História, não estaremos nós a padecer de fadiga histórica?

PS. Nos sítios dos jornais, nem uma tradução para português do famigerado memorando.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

A Morte de Osama Bin Laden


Com a (inesperada) morte de Bin Laden, os Estados Unidos encerraram um capítulo da denominada Guerra ao Terrorismo. Mas receia-se que não o livro desta guerra assimétrica.
O futuro da Al-Qaeda está em suspenso, mas não é certo qual o destino de uma organização que se foi tornando cada vez mais desprovida de centro, com as suas ramificações locais, na Europa, Ásia e África, a actuarem como entidades na prática independentes. Enquanto fonte de inspiração, a Al-Qaeda era um símbolo que servia uma miríade de grupos com causas locais mas identificados com a ideologia pan-islamista veiculada pela Base.
Talvez o futuro da Al-Qaeda não seja determinado pelo teatro de guerra do Afeganistão, e extensões em território paquistanês, mas sim pela vaga de transformações sociais e políticas que assola como um espectro o mundo árabe. Se a Primavera Árabe florescer, então sim, será o fim da Al-Qaeda e seus émulos.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Sem Título

















Um recomeço, um novo lugar no espaço blogosférico. Não há projecto, tão-só impressões e miragens.
Mal tem forma ainda. E não sei se durará. Nisso o seu tempo de vida assemelha-se ao nosso: sempre indeterminado.