segunda-feira, 14 de outubro de 2013

O resto da história

O resto da história, segundo Grand, era muito simples. É o mesmo para todos: a gente se casa, ama ainda um pouco, trabalha. Trabalha tanto que se esquece de amar. Jeanne trabalhava também, já que as promessas do chefe da repartição não tinham sido cumpridas.
Aqui, era preciso um pouco de imaginação para compreender o que Grand queria dizer. Com a ajuda do cansaço, ele deixara correr as coisas, tinha-se calado cada vez mais e não cultivava na jovem mulher a ideia de que era amada. Um homem que trabalha, a pobreza, o futuro lentamente fechado, o silêncio das tardes em redor da mesa - não há lugar para a paixão num tal universo. Provavelmente, Jeanne tinha sofrido. Contudo, ficara: acontece que se sofre muito tempo sem saber. Os anos tinham passado. Mais tarde, ela partira. Na verdade, não partira só. ”Gostei muito de você, mas agora estou cansada. . . Não me sinto feliz por partir, mas não é necessário ser feliz para recomeçar.” Eis, em resumo, o que ela lhe escrevera.

Joseph Grand, por sua vez, tinha sofrido. Teria podido recomeçar, como observou Rieux.

Mas faltava-lhe fé.

Albert Camus, em A Peste.