sexta-feira, 16 de novembro de 2012

A greve e o país do sol nascente

Não estive nas manifestações do dia da greve. O dia foi pontuado com outros afazeres, que não os do trabalho (confesso ter aderido à paralisação). E só de longe espreitei as imagens televisivas da violência em São Bento e  imediações. Da violência dos manifestantes e da polícia. Uma luta desigual, já se sabia, e inconsequente. Mas acabou por dar um tom europeu ao protesto de 14 de Dezembro.
Se das imagens pouco vi, dos comentadores do costume livrei-me de boa porque fui ao cinema, arrastado por uma história do país do sol nascente. Uma história de um clã amaldiçoado, os Nakamoto do beco. Homens de grande beleza, incorrigíveis sedutores, condenados a morrer jovens. Uns às mãos do ciúme, das mulheres ou dos maridos destas. Outros pondo cobro à sua própria vida. Outros ainda vítimas da sua condição social.
Pela tela, as estórias de três Nakamotos. São-nos contadas pela voz da parteira, a anciã da aldeia. Uma aldeia à beira-mar; o horizonte era só o mar a serpentear colinas de densas florestas. Uma forte corrente erótica percorre estas estórias marcadas pelo fatalismo. Marca o ritmo do filme.
A tragédia dos Nakamotos parece ancorada num destino remoto. Talvez no desígnio dos deuses (no início temos a imagem do local sagrado onde  a deusa da floresta deu à luz o fogo).  Essa é uma ilusão que o realizador Koji Wakamatsu se encarrega de desfazer. O filme termina com uma canção que nos fala-nos da proclamação do imperador Meiji, do desejo democrático de abolir  todas a formas de discriminação com origem no nascimento. Mas a discriminação persistiu, e os Nakamotos continuaram  vítimas de um trágico destino social. Morriam cedo, mas muitos mais eram paridos, assim dizia a canção. Porque  se a vida é sofrimento, é também um impulso maior.
Koji Wakamatsu conheceu em vida a pobreza e a discriminação.  O seu cinema é fortemente implicado, imbuído de mensagens políticas e sociais. Por isso, acho que  Koji Wakamatsu rimou com a greve de 14 de Dezembro.

terça-feira, 13 de novembro de 2012

A doce perfeição e a queda

Acreditamos em soluções perfeitas para os problemas que nos afligem, eis o nosso logro. Reféns da ideia de perfeição, lançamos o anátema sobre as restantes alternativas e a discussão acaba em mero simulacro.
Resultado de tal atitude é  assistirmos, paralisados, à nossa própria queda. Retrato de um país cada vez mais submerso numa crise sem fim à vista. Com um primeiro-ministro obstinadamente agarrado à ideia de que temos de honrar os nossos compromissos custe o que custar; e nos termos de um memorando que a realidade depressa se encarregou de tornar caduco.
Pagar tudo e não nada renegociar  é o dever ser contra o ser. Mas o que tem que ser tem muita força. E o ser é o fardo da dívida tornada ingerível pela queda do PIB. O tempo deveria ser, pois, o da discussão das outras alternativas. Das imperfeitas, que comportam custos e riscos. Mas não: continuaremos deliciosamente aprisionados pelo feitiço da perfeição. Até que a realidade nos bata à porta.


PS. Em Pedro Passos Coelho e Angela Merkel, o mesmo retrato de um país cumpridor e no bom caminho. Nada urge pois alterar. Mas o que em Pedro é crença, é ,em Angela, mero cálculo político, que as eleições estão já ao virar da esquina. E nada como a imagem da chanceler ladeada por dois belos canhões prussianos, no não menos belo  Forte de São Julião da Barra.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Vitória de Obama

Foi uma dura batalha esta eleição presidencial, com a vitória de Barack Hussein Obama a ser obtida por escassa margem. Nos Estados decisivos, que há muito são o fiel da balança em eleições presidenciais, casos do Ohio ou da Virgínia, somente dois a três pontos percentuais separaram o vencedor do candidato derrotado. E Barack Obama venceu todas estas batalhas (só a Flórida aguarda ainda o veredicto). Resultado, vantagem clara no número de grandes eleitores e a maioria do voto popular (não é de somenos sublinhar este facto, não obstante se tratar de uma eleição indirecta em que o colégio eleitoral designa o Presidente).
Obama desiludiu muitos nestes quatro anos do primeiro mandato. Muitos esperavam tanto desta presidência, mas as circunstâncias eram assaz adversas. Diríamos, terríveis, pois estávamos, e ainda estamos, no meio da pior crise económica desde a Grande Depressão dos anos trinta. Mas imaginem o que poderiam ter sido esses anos com um presidente republicano? Os efeitos da crise, acreditem, teriam sido ainda mais devastadores, não fora a acção do presidente agora reeleito. Exemplos? Sem a política de estímulos económicos à indústria, em particular à automóvel, o desemprego teria sido certamente maior. Obama recusou a austeridade ancorada em ortodoxias infelizmente tão em voga na Europa, e orientou-se para o crescimento e o emprego.
Mais importante, conseguiu aprovar, apesar da dura oposição dos republicanos, a reforma da saúde, passo decisivo rumo a um sistema de cobertura universal. E não hesitou em apoiar os movimentos da Primavera Árabe.
Fosse Barack Obama um político cinzento desses que povoam as nossas televisões, e teria sido arrastado na tormenta económica. Não há memória, desde Franklin D. Roosevelt, de um presidente ter sido reeleito havendo tantos americanos desempregados. É um feito que não está ao alcance de muitos.