quinta-feira, 25 de outubro de 2012

D’ Est



No dealbar dos anos 90, a cineasta belga Chantal Akerman fez-se à estrada rumo ao Leste, a essa terra de utopias soçobradas. A Perestroika tinha então possibilitado a realização de um projecto há muito adiado, o de filmar o quotidiano das sociedades do Leste.
Perpassam fugazes imagens da Alemanha Oriental e da Polónia, depois paramos na União Soviética, ou talvez na Mãe Rússia; na verdade, estas imagens bem podem pertencer ao tempo em que ainda havia União Soviética (Akerman filmou entre 1990 e 93), não sabemos o que é de antes e o que é de depois.
D’ Est é uma experiência sensorial do espaço e do tempo, deixamo-nos impregnar pela força das imagens e somos transportados para outra realidade. Congelada no tempo, no tempo do Socialismo Real.
Akerman filma admiravelmente esse quotidiano, pessoas que passam, rostos esfíngicos que esperam pacientemente e, a mais das vezes, indiferentes à câmara (a discrição da câmara é um dos trunfos deste documentário feito estranheza). Há uma grande dignidade no olhar destas pessoas que esperam em longas filas. A cineasta espreita também o espaço íntimo do lar: a cozinha, e nela uma mulher a cortar o pão; a sala de estar onde uma outra mulher põe um vinil num velho gira-discos. O disco salta, cheio daquele ruído familiar do vinil cuja faixa foi tocada vezes sem conta. Emerge uma comovente balada russa.
D’ Est traz-nos imagens quase só da noite, do Inverno, talvez por isso noite. E isso confere-lhe uma dimensão crepuscular.  Akerman filma o crepúsculo da Utopia.

terça-feira, 16 de outubro de 2012

A Grécia que eles odeiam

À violência de um governo ilegítimo junta-se a corte ignara dos comentaristas que nos dizem que não há alternativa à austeridade a não ser a Grécia.
Não sei o que mais me revolta, se a falta de pudor com que um governo se lança sobre os rendimentos de quem trabalha e dos pensionistas, fazendo o contrário do que pregou na campanha eleitoral, se a indigência dos comentários sobre um país transformado em bode expiatório da crise do euro. E a cujos cidadãos se pode impor uma receita económica feita à base de dor e sofrimento. Essas luminárias falam da Grécia com desprezo. Com o desprezo próprio dos ignorantes.  
No fundo, eles agitam o espectro da Grécia contra nós. Querem-nos assim obedientes, em humilde reverência do discurso do especialista. Não gostam do ruído do mundo, da cidadania e da democracia. Afinal, esta é a impureza que ameaça fazer ruir o imaculado conhecimento tecnocrático.
A Grécia é o escrutínio dos governos. É a rua. É as greves. É o Syriza. É Exarquia. É a política! E eles, no seu mundo asséptico das televisões, odeiam tudo isso.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

O Lobo e o Cordeiro. Da opressão e da inocência

 Ao mesmo rio vieram, compelidos pela sede, o lobo e o cordeiro.

O lobo estava mais acima e o cordeiro bem mais abaixo. Então o predador, incitado por sua goela maldosa, encontrou motivo de rixa: “Estou a beber e tu poluis a água!”.

O lanoso, tímido, responde:
“Como posso fazer isso de que te queixas, ó lobo? De ti para a minha garganta é que o liquido corre”.

Repelido pela força da verdade, ele replicou:
“Cerca de seis meses atrás, falaste mal de mim”.

O cordeiro retruca: “Eu? Então eu sequer era nascido…”.
- Por Hércules!, teu pai é que me destratou!

Em seguida, dilacera a presa, dando-lhe morte injusta.
 
Escrevi esta fábula por causa daqueles indivíduos que oprimem os inocentes por razões fictícias.

Fedro

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Dentro de nós

Dentro de nós, as coisas aparecem como pontos de luz no fundo de nevoeiro e sombra. A nossa realidade concreta possui uma qualidade abstracta fantasmagórica.
M. Antonioni

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Outra vez Antonioni: o Eclipse


5 de Outubro

O mesmo dia, 5 de Outubro, um ano depois.
Não, não é um texto sobre a República e tão-pouco sobre um feriado embargado pelo governo dos especialistas. São memórias de um passado recente, ou talvez tão-só coisas da experiência sensorial.
Sim, naquela noite de 5 Outubro do ano passado, bem pela noite dentro, irrompeu subitamente a esperança. Durou pouco, mas por uns breves instantes  fez-se matéria do real. Podia senti-la, tocá-la, cheirá-la...
A esperança ficou cá para nos reconfortar, é assim desde a Pandora. E é irresistível.
Ecos desse 5 de Outubro fizeram-se ouvir agora, no feriado que não vai voltar a ser. Mas a realidade, essa, é cada vez mais cinzenta.

sábado, 6 de outubro de 2012

On Your Own Again

Wasn't it a good year
Wasn't filled with talking
It still moves through my heart
From time to time
City after city
Granite gray as morning
Heroes died in subways left behind
far behind like our love
You're on your own again
And you're your best again
That's what you tell yourself
I see it all the way as far as anyone can see
Except when it began I was so happy I didn't feel like me.

Scott Walker - Scott 4