segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Setúbal, eleições e democracia local

Na condição de indígena de Setúbal, não poderia deixar de espreitar os resultados das eleições autárquicas de Domingo último. Porque a democracia local interessa.

A primeira impressão é a de que quase nada mudou, a correlação de forças, saída das eleições de 2009, permanece quase inamovível em 2013: a CDU conserva a maioria absoluta de vereadores na Câmara (mais um eleito do que toda a oposição) mas  não conseguiu superar inteiramente o cenário de maioria relativa na Assembleia Municipal. Isso já era marca da política local de há quatro anos atrás.

Se em termos da distribuição de mandatos nada de novo, já em matéria de votos o caso muda de figura: todas formações partidárias perdem em relação a 2009, Até mesmo a CDU, a vencedora desta eleições,baixa a sua votação; na verdade, não obstante ser hegemónica no concelho, a coligação está em perda desde 2005.

Os  partidos da oposição, por seu lado, parecem em Setúbal padecer de uma qualquer  incapacidade congénita.O PS e o BE conseguiram a proeza de descer as suas votações. Quanto ao PSD e ao CDS, juntos valem agora pouco mais de 5000 votos, mas isso são as vicissitudes da troika e da política de austeridade imposta. 

Muito poucos foram às urnas votar. Menos de 40% dos eleitores inscritos. 

Assim, a abstenção foi a rainha destas eleições, devidamente acompanhada pelos brancos e nulos em crescendo de votos: representam quase 8% dos votos expressos, mais do que a votação obtida pelo BE.

Perante este quadro abúlico, feito de abstencionismo em massa e de oposições sem vontade de poder, algo está podre no reino da Dinamarca. E não há democracia que resista à falta de oposições. Porque poder, aqui entendido como o governo da coisa pública, e oposição são as duas faces da democracia.


Há um vazio cada vez maior, isso parece ser o traço dominante da paisagem política setubalense. E não sei quem o poderá vir a preencher, é questão em aberto. A oposição partidária? Essa não dá sinais de o ser capaz. Cenário propício, maduro para um  independente? Talvez, mas também não vislumbram sinais disso numa sociedade civil  frágil e cada vez mais depauperada como é a nossa. 

Enfim, resta-nos a esperança de que as coisas nem sempre foram assim. Setúbal foi, no passado, exemplo de participação  cívica.

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Servidão e desajustamento

A nossa civilização asfixia-nos cada vez mais nos estreitos limites da condição de empreendedor ou de colaborador, para empregar duas expressões da novilíngua reinante. 

As categorias empreendedor e colaborador remetem-nos para um mundo asséptico; sem conflitos, sem interesses em oposição. 
De pouco importa clamar que a desigualdade impera, neste mundo de empreendedores e colaboradores. Que muitos poucos têm cada vez mais e que, aos restantes, sobra cada vez menos. Porque também isso foi absorvido pelo duplo-pensar orwelliano, em mentes cativas do discurso dominante.
O pensamento fica assim refém de um léxico empobrecido,a ele se resumindo. Um léxico onde imperam palavras como ajustamento, crescimento, reformas estruturais, entre outras.

Mas a pulsão asfixiante da civilização ocidental é bem anterior a este nosso mundo a caminho de um futuro distópico. 
Também nas primeiras décadas do pós-guerra, nos tempos do contrato social entre capital e trabalho e da repartição  mais ou menos justa da riqueza produzida, ela se manifestava. Desajustamento, infelicidade, desejo de evasão de um mundo conformista, submetido ao primado da produção, do trabalho e do consumo. Em que o ter é tudo e o ser nada.

Pressente-se isso nos Nove Contos (Nine Stories no original) de J.D.Salinger, uma das minhas leituras do Verão. Em contos como Um dia ideal para o peixe-banana, onde a imaginação é uma resposta ao desajustamento, à sociedade mais as suas regras e futilidades, esvaziadas de sentido perante a inocência, a nostalgia mágica da infância. Um conto desarmante, comovente e trágico.

"..'Sibila,sabes o que vamos fazer? Vamos ver se apanhamos um peixe-banana."
"Um quê?"
"Um peixe-banana", disse ele".  [...]
"Não vejo nenhum", disse Sibila.
"Isso é natural. É um peixe com hábitos muito estranhos, mesmo muito estranhos."
Ela abanou a cabeça
"Entram a nadar para dentro de um qualquer buraco que esteja cheio de bananas. À entrada são peixes vulgares, iguais aos outros, mas uma vez dentro do buraco, portam-se como porcos. Sei de alguns peixes-banana que chegaram a comer setenta e oito bananas" [...]
"Depois não conseguem sair do buraco."
J.D.Salinger - Nove Contos

Também na entrevista dada ao Público, o cineasta Victor Erice vai no mesmo sentido:

"Creio que as crianças encarnam nos meus filmes uma certa forma de rebeldia. Mais do quer modificar o meu olhar, transcenderam-no. Sempre me  interessaram as crianças que são verdadeiramente  crianças e não uma cópia prematura dos adultos. O que mais me comove nelas é o seu carácter selvagem, a sua capacidade de resistência face à desgraça, o uso que fazem da imaginação. Definitivamente, a sua capacidade de virar do avesso esse simulacro de vida que a sociedade tece ao seu redor e que chamamos de realidade."
Público, 13-09-13.


quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Allende vive

Allende vive en cada escuela pública y laica, en cada hospital público, en cada recurso energético salvado de la voracidad de las multinacionales, en la recuperación de la dignidad ecológica, en el derecho a existir de las mayorías indígenas y de las minorías segregadas. 
Luis Sepúlveda

11 de Setembro

Num dia de 11 de Setembro,  chovia em Santiago.  E morria o sonho. A frágil democracia que ousou trilhar os caminhos da alternativa soçobrava, esmagada pelas  armas dos militares golpistas.
Foi no Chile. No ano ido de 1973.
Depois, foi  o tempo dos esbirros e dos rapazes de Chicago.
A história do golpe e das últimas horas de Allende pode ser recordada aqui