terça-feira, 26 de julho de 2011

Animal Collective no CCB


Foi o terceiro concerto dos Animal Collective, não contando com a aparição no Festival Número. Do ambiente industrial do Ginjal, nos dez anos da Zé dos Bois, ao conforto do Grande Auditório do CCB, a mesma inventividade e exploração sónica.
Desta vez, houve o complemento visual, mas nada que esta música impregnada de caos já não contivesse, de tão imagética que é.
A música fluiu como uma torrente ao longo de perto de uma hora e meia e, nela, vinham algumas das canções de álbuns idos, reconhecíveis mas viradas do avesso. São assim os concertos dos Animal Collective.
Saímos, uma vez mais, tonificados por esta música, mas guardamos fundo na memória o concerto do Ginjal.

terça-feira, 19 de julho de 2011

Vasily Grossman, Vida e Destino

Vasily Grossman foi um célebre cronista da Grande Guerra Patriótica (assim chamam os russos à II Guerra Mundial) no jornal Estrela Vermelha, órgão oficial do Exército Vermelho.
As suas crónicas eram muito populares entre os soldados e oficiais, porque fiéis à dura realidade da guerra e despidas da retórica propagandística dos então omnipresentes comissários políticos.
Essa experiência do teatro de guerra forjou o romance Vida e Destino, um épico que toma como cenário a Batalha de Estalinegrado. Vida e Destino é um fresco dessa época trágica. É uma anatomia da sociedade estalinista, exposta em toda a sua crueldade e absurdo.
Vasily Grossman foi vítima de opróbrio quando o seu livro viu, ainda que fugazmente, a luz do dia, nesses idos anos sessenta: mesmo em pleno degelo Krutcheviano, as estórias de Grossman eram insuportáveis para o regime. O manuscrito e as notas de Vida e Destino foram apreendidos pelo KGB. E o mesmo destino tiveram as fitas e o químico da máquina de escrever do escritor. Prova de que um romance pode fazer tremer um regime todo-poderoso. Prova da força do pensamento, capaz de escapar às lógicas concentracionárias.
Vida e Destino sobreviveu: chegou ao Ocidente oculto num micro-filme. País da publicação do romance, a Suíça, em 1980.

É difícil, Vitia, compreender realmente os homens... os alemães entraram na cidade no dia 7 de Julho. No parque da cidade, a rádio transmitia as últimas informações; eu vinha da policlínica depois das consultas e parei para escutar, a locutora lia em ucraniano um artigo sobre os últimos combates. Ouvi detonações afastadas, depois alguns homens atravessaram o parque a correr, retomei o caminho de casa perguntando-me como é que não ouvira as sirenes de alerta aéreo. De repente, vi um tanque e uma voz gritou: «os alemães passaram».

[...]

Adormeci de manhãzinha e, quando acordei, senti uma horrível tristeza. Estava no meu quarto, na minha cama, e contudo sentia-me em terra estranha, esquecida, solitária.

Nessa mesma manhã lembraram-me o que tivera tempo de esquecer durante os anos do poder soviético: era judia. Os alemães passavam em camiões e gritavam: «Judeen Kaputt!».

E depois também os vizinhos me lembraram. A mulher do guarda, que estava debaixo da minha janela, dizia a uma vizinha: «Graças a Deus, vamos ver-nos livre destes judeus todos.» Donde virá isto tudo? O filho dela é casado com uma judia e a velha estava em casa do filho; depois falava-me dos netos.

A minha vizinha do prédio, que é viúva, tem uma filha com 6 anos, Alionuchka, uns esplêndidos olhos azuis, já te falei nela numa das cartas, e essa vizinha entrou no meu quarto e disse-me:« Anna Semionovna, peço-lhe que retire as suas coisas do quarto antes do anoitecer, porque eu vou instalar-me lá.»

- Muito bem, nesse caso, eu instalo-me no seu – respondi-lhe eu.

- Não, não, você vai é para a despensa.

[...]

Muitas pessoas espantaram-me. E não foram só criaturas incultas, azedas e limitadas. Por exemplo, um professor reformado, de 75 anos de idade, pergunta-me sempre por ti, e dizia-me de ti: «É o nosso orgulho». Naqueles dias malditos afastou-se de mim na rua e não me cumprimentou. Depois contaram-me que tinha declarado numa reunião do kommandantur:«o ar está mais pura, já não cheira a alho».

In Vida e Destino.


quinta-feira, 7 de julho de 2011

A Moody's do nosso descontentamento

As agências de rating são o admirável mundo de Reagan, Thatcher e cia levado ao paroxismo. Mas a Moody's do nosso descontentamento limitou-se a levar a lógica do governo recém-empossado até às últimas consequências.
Ora vejamos: não foi o governo de Passos Coelho que anunciou um imposto extraordinário para tapar um buraco, diríamos também, extraordinário? Não disse o nosso eminente ministro das finanças (mais uma mente brilhante saída da economia, essa ciência de pés-de-barro tão incensada no mundo de hoje) que a extensão do buraco nas contas públicas o havia surpreendido? Não admira, pois, a reacção (que de certo não é inocente) da Moody's.
Nem pode a aludida agência pode ser acusada de ignorância acerca da realidade política e cultural prevalecente neste país outrora de vocação marítima. Ao manifestar o seu cepticismo sobre a capacidade de o governo cumprir as metas do memorando, no que à saúde, empresas públicas e autarquias se refere, limitou-se a pôr o dedo na ferida: como poderá o PSD, partido clientelar do regime e de maior expressão nas autarquias, levar por diante a supressão de municípios e freguesias? Ou a extinção de 15% dos cargos dirigentes no universo da administração pública? Perante tal histórico, duvidar é um acto da mais elementar racionalidade.
Junte-se, a tudo isto que é nosso, a reestruturação encapotada actualmente em curso na Grécia, sob a capa de um segundo resgate feito austeridade sobre as vidas dos gregos, alvo de uma espécie de punição colectiva. Depois, os juros a que estamos sujeitos num cenário de crescimento anémico ou negativo. Perfila-se assim como provável um horizonte próximo algures entre o segundo resgate e uma reestruturação da dívida. A não ser que a Europa...