quinta-feira, 25 de outubro de 2012

D’ Est



No dealbar dos anos 90, a cineasta belga Chantal Akerman fez-se à estrada rumo ao Leste, a essa terra de utopias soçobradas. A Perestroika tinha então possibilitado a realização de um projecto há muito adiado, o de filmar o quotidiano das sociedades do Leste.
Perpassam fugazes imagens da Alemanha Oriental e da Polónia, depois paramos na União Soviética, ou talvez na Mãe Rússia; na verdade, estas imagens bem podem pertencer ao tempo em que ainda havia União Soviética (Akerman filmou entre 1990 e 93), não sabemos o que é de antes e o que é de depois.
D’ Est é uma experiência sensorial do espaço e do tempo, deixamo-nos impregnar pela força das imagens e somos transportados para outra realidade. Congelada no tempo, no tempo do Socialismo Real.
Akerman filma admiravelmente esse quotidiano, pessoas que passam, rostos esfíngicos que esperam pacientemente e, a mais das vezes, indiferentes à câmara (a discrição da câmara é um dos trunfos deste documentário feito estranheza). Há uma grande dignidade no olhar destas pessoas que esperam em longas filas. A cineasta espreita também o espaço íntimo do lar: a cozinha, e nela uma mulher a cortar o pão; a sala de estar onde uma outra mulher põe um vinil num velho gira-discos. O disco salta, cheio daquele ruído familiar do vinil cuja faixa foi tocada vezes sem conta. Emerge uma comovente balada russa.
D’ Est traz-nos imagens quase só da noite, do Inverno, talvez por isso noite. E isso confere-lhe uma dimensão crepuscular.  Akerman filma o crepúsculo da Utopia.

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