No dealbar dos anos 90, a cineasta
belga Chantal Akerman fez-se à estrada rumo ao Leste, a essa terra de utopias soçobradas.
A Perestroika tinha então possibilitado a realização de um projecto há muito
adiado, o de filmar o quotidiano das sociedades do Leste.
Perpassam fugazes imagens da Alemanha
Oriental e da Polónia, depois paramos na União Soviética, ou talvez na Mãe Rússia; na verdade, estas imagens bem
podem pertencer ao tempo em que ainda havia União Soviética (Akerman filmou
entre 1990 e 93), não sabemos o que é de antes e o que é de depois.
D’ Est é uma experiência sensorial do espaço e do tempo,
deixamo-nos impregnar pela força das imagens e somos transportados para outra
realidade. Congelada no tempo, no tempo do
Socialismo Real.
Akerman filma admiravelmente esse
quotidiano, pessoas que passam, rostos esfíngicos que esperam pacientemente e, a
mais das vezes, indiferentes à câmara (a discrição da câmara é um dos trunfos deste
documentário feito estranheza). Há uma grande dignidade no olhar destas
pessoas que esperam em longas filas. A cineasta espreita também o espaço íntimo
do lar: a cozinha, e nela uma mulher a cortar o pão; a sala de estar onde uma outra
mulher põe um vinil num velho gira-discos. O disco salta, cheio daquele ruído familiar
do vinil cuja faixa foi tocada vezes sem conta. Emerge uma comovente balada
russa.
D’ Est traz-nos
imagens quase só da noite, do Inverno, talvez por isso noite. E isso
confere-lhe uma dimensão crepuscular. Akerman
filma o crepúsculo da Utopia.
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