sexta-feira, 22 de março de 2013

Louçã e o Manifesto



Vem tudo isto a propósito do comentário de Francisco Louçã, na SIC Notícias, e de um manifesto por mudanças de fundo num sistema político cristalizado.
O antigo coordenador do Bloco de Esquerda entregou-se a um exercício de desclassificação dos subscritores daquele manifesto, uma técnica clássica quando o que se pretende é evitar a discussão substantiva das propostas. Os seus autores não seriam pois dignos de crédito; uns porque oriundos do Estado Novo, outros porque foram expressão do omnipresente bloco central.
E o tom foi este, as propostas a merecerem-lhe apenas breves considerações de olímpico desprezo. Listas de independentes à Assembleia da República? Em teoria até sim, mas cuidado com esses independentes trânsfugas, presas fáceis de uma qualquer máfia. Círculos uninominais? Seriam o Cavalo-de-Tróia do caciquismo e demais práticas de cooptação do deputado, que se quer acima de tudo em reverência ao chefe partidário. Primárias nos partidos? Aqui-d’el-rei que vêm aí os acólitos do Menezes votar em força nas eleições do CDS! Referendo? Mas que ignorância a dos autores do manifesto, que não sabem que a Constituição não permite tais veleidades! E na sacrossanta Constituição da República não se toca.
Nada de novo. Louçã é um homem da esquerda portuguesa, cujo pensamento ideológico foi moldado pelas práticas políticas dos anos 70. E aí, o partido, por minúsculo que fosse, era tudo.
Salazar dizia-nos que não estávamos preparados para a democracia e que os comunistas acabariam por tomar conta de tudo. Louçã diz-nos que não estamos preparados para exercer a democracia fora das baias dos partidos. Ou não fosse um dirigente partidário com muitos anos disto.
Nos vários domínios da existência, não raro sou prisioneiro de ilusões. E o Bloco de Esquerda foi uma delas. Sentia-o mais movimento e menos partido. Que ia no sentido de uma cada vez maior abertura à sociedade. Era esse o olhar da minha condição de simpatizante da causa.
A realidade mostrou-me algo de muito diferente: hoje o BE é um partido cada vez mais fechado sobre si mesmo. Em torno de um aparelho risível formado pelas sobras da UDP e do PSR. Percebe-se porquê.
Os pais fundadores da nossa Constituição de Abril decidiram tudo depositar nos partidos. Deram-lhes o monopólio da democracia, pouco ou nada sobrando para os cidadãos. E Louçã gosta das coisas assim.
PS. Não interpretem isto como um apelo à extinção dos partidos, apenas sinto que estes são cada vez mais incapazes de produzir lideranças e quadros capazes para fazer face ao tempo da crise. Sim, não há democracia sem partidos. Mas a democracia também precisas de outras coisas mais.

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