Vem tudo
isto a propósito do comentário de Francisco Louçã, na SIC Notícias, e de um
manifesto por mudanças de fundo num sistema político cristalizado.
O antigo
coordenador do Bloco de Esquerda entregou-se a um exercício de desclassificação
dos subscritores daquele manifesto, uma técnica clássica quando o que se
pretende é evitar a discussão substantiva das propostas. Os seus autores não seriam
pois dignos de crédito; uns porque oriundos do Estado Novo, outros porque foram
expressão do omnipresente bloco central.
E o tom foi
este, as propostas a merecerem-lhe apenas breves considerações de olímpico
desprezo. Listas de independentes à Assembleia da República? Em teoria até sim,
mas cuidado com esses independentes trânsfugas, presas fáceis de uma qualquer
máfia. Círculos uninominais? Seriam o Cavalo-de-Tróia do caciquismo e demais
práticas de cooptação do deputado, que se quer acima de tudo em reverência ao
chefe partidário. Primárias nos partidos? Aqui-d’el-rei que vêm aí os acólitos do Menezes votar em força nas
eleições do CDS! Referendo? Mas que ignorância a dos autores do manifesto, que
não sabem que a Constituição não
permite tais veleidades! E na sacrossanta Constituição da República não se
toca.
Nada de
novo. Louçã é um homem da esquerda portuguesa, cujo pensamento ideológico foi
moldado pelas práticas políticas dos anos 70. E aí, o partido, por minúsculo
que fosse, era tudo.
Salazar
dizia-nos que não estávamos preparados para a democracia e que os comunistas acabariam
por tomar conta de tudo. Louçã diz-nos que não estamos preparados para exercer
a democracia fora das baias dos partidos. Ou não fosse um dirigente partidário
com muitos anos disto.
Nos vários domínios
da existência, não raro sou prisioneiro de ilusões. E o Bloco de Esquerda foi
uma delas. Sentia-o mais movimento e menos partido. Que ia no sentido de uma
cada vez maior abertura à sociedade. Era esse o olhar da minha condição de
simpatizante da causa.
A realidade
mostrou-me algo de muito diferente: hoje o BE
é um partido cada vez mais fechado sobre si mesmo. Em torno de um aparelho
risível formado pelas sobras da UDP e do PSR. Percebe-se porquê.
Os pais
fundadores da nossa Constituição de Abril
decidiram tudo depositar nos partidos. Deram-lhes o monopólio da democracia,
pouco ou nada sobrando para os cidadãos. E Louçã gosta das coisas assim.
PS. Não
interpretem isto como um apelo à extinção dos partidos, apenas sinto que estes
são cada vez mais incapazes de produzir lideranças e quadros capazes para fazer
face ao tempo da crise. Sim, não há democracia sem partidos. Mas a democracia
também precisas de outras coisas mais.
Gosto
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