
Foi em 2009.
Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro. Clarice Lispector
O registo é indie mas não prisioneiro de um género ou estética. Pelo contrário, a câmara é livre. Nervosa e livre.
A história gira em torno de um pai e dos seus dois filhos. O pai, diríamos, vai de asneira em asneira até à vitória final. Negligente em muitas coisas, mas não no plano dos afectos.
O caos é indissociável de Lenny, o pai, algo que os realizadores, os irmãos Josh e Benny Safdie, souberam transmitir visceralmente. Através do ritmo da câmara.
O filme vai beber à infância dos realizadores, que o dedicam ao pai. A um pai certamente não muito diferente deste que percorre a tela.
Vão-me buscar alecrim é a um tempo inteligente e emotivo. E troca as voltas ao politicamente correcto. Deliciosamente.
PS. Um dos miúdos que contracenam no filme é filho do músico dos Sonic Youth, Lee Ranaldo.
Na velha e civilizada Europa, o caso Dominique Strauss-Kahn muito provavelmente teria morrido à nascença. Por entre refinadas teias jurídicas e o manto do preconceito social enraizado, quem de entre nós, europeus, daria crédito à queixa de uma modesta empregada de hotel, ainda para mais imigrante africana?
Mas não é assim nos Estados Unidos, país de génese democrática. Na América, até Marx o reconhecia, as relações nobiliárquicas não moldavam a paisagem social. E a democracia já era a forma de autogoverno de muitas das comunidades fixadas na Nova Inglaterra; mesmo antes da Revolução de 1776.
Talvez esse ethos democrático seja indissociável do comportamento (expedito) da justiça americana, não hesitando em agir mesmo perante figuras poderosas. Mesmo quando a queixosa é gente de humilde condição. É a justiça de um país em que os procuradores são eleitos e respondem perante o povo. Mas não é uma justiça popular, no sentido pejorativo que lhe costumamos dar.
Se a Revolução Francesa aboliu o privilégio de nascimento, já o mesmo não parece ter sucedido com a impunidade decorrente da condição social, que ainda parece fazer lei no Hexágono. Assim é quando estão em causa crimes sexuais, desvalorizados pela boa sociedade como pecadilhos sem importância. Um contraste com o puritanismo do outro lado do atlântico, que também ajuda a fazer luz sobre este caso.
Choque de culturas, do ethos democrático americano contra as reminiscências nobiliárquicas? Da Europa civilizada contra a bárbara América, que não hesita em algemar uma nobre figura da elite política francesa? Talvez algum exagero.
Quanto ao caso Dominique Strauss-Kahn, o melhor é esperar pelos próximos capítulos.